segunda-feira, junho 1

Uma viagem de auto-descoberta

Era uma aldeia desconhecido a estrangeiros. Uma aldeia onde os habitante viviam humildemente, vivendo do campo e da pecuária. Nessa aldeia todos viviam em comunidade e a palavra infelicidade não era lá pronunciada. A rotina diária era feita com enorme paz e harmonia. Ninguém sabia o que era o mundo para lá do horizonte, mas também ninguém queria saber, pois estavam satisfeitos com a sabedoria popular passada de pais para filhos, que acreditavam ser a única coisa que precisavam de saber. Ninguém tinha a ânsia de descobrir um mundo novo. Ninguém excepto Maria.
Maria tinha passado a vida perguntando-se de como seria a vida noutros locais. Imaginava seres bizarros de línguas estranhas e animais gigantes que passeavam nas ruas. Pensava se noutros locais as pessoas eram tão felizes como na sua aldeia. O desconhecido assustava-a e atraía-a. Todos os dias, ao fim da tarde, Maria sentava-se no topo da montanha mais alta de sua aldeia, na tentativa de poder ver até mais longe. Mas a vista era sempre muito desfocada pela altitude e pela nebulosidade. Do topo da montanha Maria conseguia ver também o rio que abastecia a aldeia de água. Tentou inúmeras vezes segui-lo para ver onde começava e acabava, mas nunca conseguiu encontrar o seu fim ou principio. A sua curiosidade era tanta que Maria tomou uma decisão: Quando fizesse dezoito anos iria fazer uma viagem pelo mundo. Os anos foram passando e a vontade de descobrir de Maria foi aumentando, até que chegou aos dezoito anos. No dia do seu aniversário, toda a aldeia celebrou, como sempre acontecia. Maria estava feliz mas sabia que tinha uma notícia difícil a comunicar à aldeia. Nunca ninguém tinha anteriormente saído da aldeia, pois sempre foram contadas histórias pelos mais velhos de como o mundo para além da aldeia só tinha meia dúzia de metros e depois existia um grande vácuo, um buraco negro e que era aí o fim do mundo. Maria, que tinha uma mente crítica, sempre desconfiou dessas histórias pois achava que uma beleza tão bela como a da natureza não poderia reduzir-se ao espaço da sua aldeia. E além disso de onde viriam os pássaros que vêm na Primavera? Onde acabaria e nasceria o rio da aldeia?
Maria esperou que todos ficassem em silencia para fazer o seu anúncio. Toda a aldeia ficou em choque. Perguntavam-se porque razão quereria Maria sair da aldeia, se lá era tão feliz! Maria respondia que aquela era uma felicidade sem esperança, sem a expectativa de algo melhor. O seu pai perguntou-lhe: - “ filha, porque queres sair da aldeia, então tu não sabes que para além da aldeia só existe o abismo?” Ao que Maria respondeu: - “ se só existe abismo então porque estão tão preocupados? eu quando sair da aldeia e vir que há nada volto para trás e nunca mais volto a chatear ninguém com isto!” Perante este argumento a aldeia teve de respeitar a sua decisão, pois apesar de não acreditarem nas histórias contadas por eles próprios, os mais velhos tinham de continuar a fazer os mais novos acreditar nessas histórias. Nessa noite ninguém dormiu na aldeia, pois Maria ia partir na manha seguinte. Maria só esperava que as histórias não fossem verdadeiras e que houvesse mais mundo para além da aldeia. De manhã todos se levantaram cedo para se virem despedir dela. Os mais novos esperavam vê-la daí a poucas horas, os mais velhos esperavam apenas voltar a vê-la. Mas Maria prometeu a si própria que acontecesse o que acontecesse, havia voltar à aldeia e partilhar com os seus habitantes as histórias da sua aventura.
Maria finalmente partiu. As pessoas deixaram de a ver devido às grandes muralhas que rodeavam a aldeia. Maria não vê o abismo, mas sim um bosque. Até agora o exterior não tinha nada de maravilhoso, não era muito diferente da sua aldeia. Maria, impaciente, resolveu começar a correr e à medida que ia percorrendo o bosque ia-se apercebendo que não havia fim do mundo nem abismo. Então sorriu. Sempre tinha razão, a sua vontade era de correr para a aldeia e dizer que o mundo não acaba após a aldeia. Mas tinha uma missão, uma promessa que fez a si própria de conhecer o mundo. Pouco depois uma carruagem idêntica às da sua aldeia pára ao passar por Maria. Pela mente de Maria passam mil e uma imagens de seres extraordinários que poderiam sair daquela carruagem. Mas sai um homem, igual a todos os que já havia visto. - “Precisa de boleia menina? vai para a cidade? Maria que não sabia o que a palavra “cidade” significava disse que sim, para não parecer tonta.
Mal chegaram à cidade Maria fica contente por finalmente ver alguma coisa inédita para ela. Aquela cidade nada tinha a ver com a sua aldeia, lá as pessoas não andavam contentes e não falavam umas com as outras. Maria sai da carruagem e percorre as barulhentas ruas da cidade. Subitamente um homem dá-lhe um encontrão, e atrás dele correm senhores vestidos de azul. Uma grande confusão se instala na cidade. Maria ouve dizer na multidão que aquele senhor havia roubado a carteira a outro. Maria sente-se assustada e angustiada, na sua aldeia tal nunca havia acontecido. Foge a correr no meio da multidão e esconde-se pensando em como ter deixado a aldeia pode ter sido o pior erro da sua vida. Talvez ao sair da aldeia houvesse mesmo um abismo…um abismo chamado cidade. Maria, só queria sair da cidade, partir para outro lugar. No beco onde estava sentada, encostada à parede passa por ela uma rapariga, sensivelmente com a idade de Maria. -“O que estás aqui a fazer, não vais ao baile?”- Pergunta a rapariga. Maria diz que não com a cabeça. - “Claro que queres!”- diz a rapariga enquanto puxa Maria pelo braço, levantando-a do chão. As duas raparigas passam no meio da confusão que ainda está na rua devido ao furto da carteira. As duas chegam rapidamente a um edifico antigo, com mau aspecto e num local muito deprimente da cidade. A rapariga diz a Maria que é ali que o baile é. Maria pensa para si própria que aquilo não era nada parecido com os bailes da aldeia, em que todas as pessoas se vestiam a rigor e o salão era enfeitado. Aquela sala era pequena, suja e sobrelotada. A rapariga puxa Maria para um grupo de pessoas e apresenta-a dizendo: -“olá esta é a …como te chamas mesmo?” -“Maria”- responde envergonhada. A rapariga diz que o seu nome é Beatriz, e apresenta Maria ao resto do grupo. Maria resolve meter conversa e pergunta há quanto tempo é que todas aquelas pessoas se conhecem. Beatriz responde que depende, há pessoas que já se conhecem há anos outras há alguns meses. Maria fica a saber que todos os jovens que lá estão são jovens cujos pais morreram ou estão presos, e que não tinham ninguém com quem ficar. - “Então estão completamente sozinhos?”- Pergunta Maria chocada. Ao que Beatriz responde: - “Sozinhos não, temo-nos uns aos outros!”. Maria lembrou-se da sua aldeia, pois lá todos podiam contar uns com os outros tal como naquela pequena comunidade. Maria ficou surpreendida com a coragem e com a união daqueles jovens, que apesar das dificuldades da vida conseguiram encontrar a felicidade. Afinal a felicidade está em todo o lado se se quiser. Beatriz quis depois saber um pouco mais de Maria e esta fala-lhe da sua aldeia, da sua missão, da sua viagem. Os olhos de Beatriz brilham enquanto Maria fala até não se conseguir controlar e perguntar: - “Posso ir contigo?” Maria fica contente e aceita a proposta da amiga imediatamente. As duas combinam partir na manhã seguinte. Ao tardar da noite todo o grupo se reúne para darem as despedidas a Beatriz. Todos estão emocionados, incluindo Beatriz, mas esta, tal como Maria tem um espírito aventureiro e anseia descobrir o mundo. De manhã bem cedo partem e Maria olha para a cidade com outros olhos dos que olhava quando lá entrou. A cidade não era um sítio onde todos eram infelizes, era um sítio onde tínhamos de procurar a felicidade. Maria aprendeu com a cidade que em alturas complicadas da nossa vida, a busca da felicidade é maior e esta sabe melhor.
Maria e Beatriz caminharam e caminharam partilhando as suas experiencias de vida. Chegaram a um sítio onde em frente a um grande portão estava dois homens com uma corneta. Curiosas, as duas raparigas aproximaram-se e perguntaram: - “O que é isto?”- a que um dos homens responde que aquilo era o reino de Moniz. Beatriz, ao ver o ar de dúvida de Maria, diz-lhe que um reino é um território sobre o qual um elemento de soberania, o rei, mandava. Maria achou estranho, pois na sua aldeia ninguém mandava nos outros, viviam todos em igualdade. - “Podemos entrar no reino?”- pergunta Beatriz. -“Sim mas terão de falar imediatamente com o rei, para ver se ele autoriza a vossa permanência no reino”- responde um dos homens. Os grandes portões abrem-se e as duas amigas entram. O reino não era nada como a cidade, lá as pessoas andavam calmamente e sem grandes confusões. Preocuparam-se primeiro em encontrar o rei, e só depois em explorar aquele lugar. Ao andar pelo reino aperceberam-se da miséria que o caracterizava. Casas em ruínas, pedintes, doentes…Era um cenário mais deprimente do que o da cidade. De repente deparam-se com um edifício que sobressaí, um grande palácio com uma maravilhoso jardim. Beatriz diz a Maria que aquela só podia ser a residência do rei e as duas sobem as escadarias que vão dar ao palácio. São interpeladas por um rapaz um pouco mais velho que elas que lhes pergunta o que estão lá a fazer ao que Maria responde: - “somos estrangeiras, viemos falar com o rei”. O jovem rapaz encaminha-as para um grande salão onde o rei está a ter um grande banquete. O jovem interrompe o rei explicando a situação, ao que este as convida a sentarem-se com ele à mesa. As duas raparigas que estavam esfomeadas pegam na comida, mas são imediatamente repreendidas pelo rei, que mostra agora a sua faceta avarenta. O rei pergunta-lhes quem são e o que querem. As duas raparigas respondem que são viajantes e procuram um sítio para passarem a noite. O rei diz que podem mas impõe pesadas condições: As raparigas teriam de dar todos os seus bens para o rei e ainda trabalhar para este com uma renumeração miserável As viajantes associaram logo esta atitude do rei à miséria dos habitantes do reino. Maria pensa que na sua aldeia ninguém se aproveitava de ninguém, todos trabalhavam em conjunto. Beatriz pensa que na sua comunidade ajudavam-se uns aos outros e ninguém passava por cima de ninguém. As duas recusam a proposta do rei, mas este sentiu-se ofendido e ordenou que as duas fossem presas na masmorra.
Maria e Beatriz ficaram sozinhas nas frias masmorras esperando um milagre. De repente o milagre chega. O rapaz que as tinha encaminhado até ao rei, estava agora a libertá-las das masmorras. - “Façam pouco barulho, ninguém pode saber que vos estou a libertar”. As duas raparigas seguem o jovem, saindo do palácio e entrado num labirinto subterrâneo cuja entrada estava disfarçada com um monte de folhas. - “Aqui é onde nós fazemos as nossas reuniões”- Diz o rapaz. -“Nós quem?”- pergunta Maria. - Os que lutam secretamente contra o rei”- diz o rapaz. O nome do rapaz era João, como as raparigas haviam ouvido chamá-lo pelos protestantes. - “Por que é que protestam em silêncio?”-pergunta Beatriz. Uma voz ao fundo responde: - “Porque se o rei descobre destrói as nossas pobres casas e expulsa-nos do reino sem nada”. Maria diz que a vida é muito melhor fora daquele reino e conta a história da sua viagem. Os protestantes, tal como os aldeões receavam a vida fora do ambiente no qual foram criados. Então João diz: - “posso ir convosco na vossa viagem, para ver se de facto a vida é melhor fora do reino?”. Maria responde prontamente que sim, mas João adverte que têm de partir já antes que o sol nasça e dêem pela falta das raparigas.
Os três aventureiros partem à viagem, e durante vários dias não vêm nada sem ser árvores. João pensa para si que o vida no reino não é boa mas é certamente melhor que a floresta. Até que por fim ouvem o som da água a correr. E os três vão a correr, tentando descobrir de onde vinha aquele som. Chegam a um sítio tão belo que é inconcebível para a mente humana. Tinha umas grandes cataratas, árvores em flor que abanavam com a suave brisa, flamingos flutuando graciosamente no lago, veados a comerem a erva verde que cresce junto à cascata. Pensaram os três que aquela viagem tinha valido a pena e Maria teve a ideia de trazer o povo do reino para habitar naquele lugar. João gostava da ideia, mas como levar todo o reino para aquele paraíso sem que o rei notasse? Maria elaborou um plano que se apressou a contar aos dois amigos. Então Maria, Beatriz e João voltam para trás até chegarem ao reino. Maria e Beatriz não podiam entrar no reino, então João entra e espalha o boato no palácio que existe um tesouro antigo enterrado nuns terrenos baldios existentes por detrás das portas do reino. O rei ouvindo estes boatos só se imaginava com as moedas de ouro na mão e no momento organizou a sua comitiva para irem à procura do tesouro. O plano de Maria estava a resultar! Com o rei fora do reino, João avisou os habitantes do reino acerca daquele fantástico território e então ele mais o seu povo partem à viagem. Antes de ir embora João agradece a ajuda das amigas, pois elas mostraram-lhe que quando se arrisca, encontra-se sempre algo de bom.
As duas amigas efectuam agora a viagem de regresso. Falam de quão fantástica a experiência foi. Entretanto chegam à cidade onde Beatriz fica. Beatriz agradece à amiga tê-la incluído na viagem. Beatriz aprendeu que não só ela e a sua comunidade têm problemas, mas que todos os povos têm, mas que se tal como a sua comunidade as pessoas se unirem os problemas são ultrapassados e a felicidade é encontrada.
Maria continuava a viagem sozinha em direcção à sua aldeia. Quando chega lá é recebida com grande entusiasmo e curiosidade. Maria partilha todas as histórias que viveu e também o que aprendeu. Maria aprendeu que apesar de pensarmos que sabemos tudo o que precisamos de saber, há sempre mais qualquer coisa que nos completa como pessoas. É importante irmos para além dos nossos horizontes para alargarmos as nossas alternativas em relação à vida. Maria aprendeu que existem outras realidades diferentes da sua, e que essas realidades também podem ser boas e proveitosas de completar a sua realidade.
Daí em diante, Maria continuou a sentar-se todos os finais de tarde no topo da montanha mais alta da aldeia, mas nem a altitude nem a nebulosidade a impediam de ver o horizonte de uma forma clara e alargada.

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