domingo, maio 31

Viagem de auto-conhecimento

Viagem de auto-conhecimento





Era uma linda tarde de Verão. O sol brilhava como nunca, o céu limpo e azul, os passarinhos cantavam e as folhas das árvores balançavam lentamente com a leve brisa que passava e nos refrescava. Sai de casa, decidi dar uma volta. Andei durante algum tempo e, sentei-me num banquinho do jardim. Daquele banco pude ver as pessoas a passarem, mais alegres do que nunca.
Ao lado do jardim pude avistar um parque infantil, cheio de crianças sorridentes, a deslizarem pelos escorregas amarelos, a voarem alto e mais alto em baloiços, a jogarem a bola, sempre sobre o olhar atento dos pais. Ao olhar para aquelas crianças, lembrei-me de mim, uma pequena e frágil criança que ainda tão nova foi obrigado pelo mundo e pelas circunstâncias da vida a crescer depressa. Mal me lembro da minha infância, e do que me lembro, não são coisas boas. A minha infância foi tão triste que não a desejo nem ao meu pior inimigo. Ao olhar para aquelas crianças lindas, sorridentes, bem vestida, lembro-me da infância que eu sempre quis ter e não tive. Tive uma infância pobre. A minha mãe trabalhava muito e o que ganhava mal dava para nos sustentar, o meu pai era um alcoólico, passava a vida bêbado, batia em mim e na minha mãe, humilhava-nos perante os nossos amigos e familiares, tratava-nos que nem um lixo. Não me lembro de um único carinho vindo da parte dele, não me lembro sequer dele ter brincado comigo, de me ter levado a um parque para infantil. O pai que está presente na minha memória e que me assombra todas as noites antes de conseguir dormir, é um pai duro, rígido, frio, violento, capaz das maiores atrocidades, incapaz de ter um gesto de amor, de compaixão pela sua família ou pela sua única filha. Sempre o culpei do mal que ele nos fez, nunca o perdoei, mesmo depois a sua morte. Ainda não sou capaz.
Para sobreviver a uma infância tão dura e sofrida, fui obrigada a criar barreiras. Infelizmente tornei-me numa pessoa insensível, incapaz de dar e de receber carinho de alguém. Naquele dia, percebi porquê que as minhas relações amorosas nunca davam certo, não fui capaz de me entregar a alguém porque sempre tive medo de ser magoada, medo que o meu companheiro fosse igual ou pior que o meu pai. Ninguém sabe realmente quem sou, ninguém sabe ao certo quais são os motivos da minha dor, ninguém conhece a minha infância, porque a escondi. Os meus sentimos mais profundos estão dentro de uma gaveta, fechei com um cadiado e deitei fora a chave. Os meus amigos dizem que eu sou um poço de alegria, mas eu diria que na realidade sou um universo de solidão. Embora esteja rodeada de pessoas, não consigo deixar de me sentir sozinha.
Enquanto pensava em tudo isso, apareceu uma velhinha e sentou-se ao meu lado. Tentei conter as lágrimas, não queria que uma estranha me visse a chorar. Foi então, que aquela velhinha olhou para mim com os seus olhos azuis da cor do céu e me disse:
- O choro é o melhor remédio para a dor.
Aquelas palavras foram como que remédio santo. Era tudo o que eu precisava ouvir naquele momento. Então, chorei, chorei como nunca tinha chorado em toda a minha a minha vida, chorei muito mais do que as vezes em que vi o meu pai a bater na minha mãe, chorei tudo o que havia para chora, todas as lágrimas que estavam cá dentro por derrama.
Foi uma tarde inesquecível, que permanecerá para sempre na minha memória. Agora já não me sinto tão sozinha, tenho alguém me compreende, que me ouve, alguém que me conhece.

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