domingo, maio 31

As minhas memórias

As minhas memórias

Lá fora, vejo as árvores abanando com muita força, mostrando a fúria e a pressa que o vento tem em chegar a algum lado que, no fundo não é nenhum. Está um frio de rachar. Estou em casa, com um aquecedor ligado e uma manta sobre os meus pés. O clima de cá é um pouco instável, hora faz frio, hora faz calor. Não tenho outro remédio, senão habituar-me.
Enquanto olho para a janela, lembro o quão diferente esta terra, onde sou estrangeira, é diferente da minha pátria.
Os meus pensamentos são levados pelo vento e, como que por magia, levam-me de volta para o meu país. Angola, uma terra tão rica e tão pobre ao mesmo tempo. Uma terra onde já fui feliz, uma terra para onde um dia hei-de voltar. Relembro a minha casa pintada de várias cores, a figueira no meio do quintal, a vista para o mar e o pôr-do-sol. É impossível esquecer-me do cheiro do mar, das chatas carregadas de peixe fresco.
Lembro-me das minhas brincadeiras de criança (apesar de ainda ser uma criança), dos meus amigos, das festas que juntavam a família inteira e da comida. Jamais em toda a minha vida (embora tenha pouco tempo de vida), provei frutas iguais ao do meu país, têm um sabor único.
Tive de deixar o meu tão amado país, por causa da guerra e da escassez de trabalho, fomos obrigados emigrar para Portugal. Quando decidimos emigrar para cá, foi sempre na esperança de aqui, as nossas vidas seriam muito melhor, de que aqui, encontraríamos oportunidades que naquela altura o nosso país não tinha para nos oferecer.
É óbvio, que a nossa vida financeira melhorou bastante, as escolas são muito melhores, etc. mas a verdade, é que a vida aqui, não tem sido um mar de rosas. Por sermos estrangeiros, a minha deixou de exercer o cargo de professora porque não estávamos legalizados, passou a ser empregada doméstica. Para podermos estar legais, há vezes em que mais de metade do salário é gasto nos documentos. Mas isso é pouco, também sofremos bastante por sermos negros, aqui, senti pela primeira vez o preconceito social. Também foi aqui, onde os meus pais se divorciaram. Para ser sincera, desde ai nunca mais voltei a ser a mesma pessoa. O resto da minha infância, cá em Portugal, prefiro apenas lembrar-me das coisas boas, as más, guardo-as no mais profundo do meu ser, num lugar onde por mais que eu queira, seja difícil, quase impossível de lá chegar.
Não tenho do que me queixar, as coisas podiam ter sido muito piores.
Apesar de tudo, sou feliz aqui, é aqui onde tenho a minha vida, os meus amigos, foi aqui onde eu descobri talentos que estavam escondidos em mim.
Sou feliz aqui, nesse país, que apesar de não ser meu, acolheu-me tão bem.

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