sexta-feira, maio 29

Crónica sobre a crónica

Quando compro o jornal todos os dias, leio a crónica e questiono-me como é que alguém podia ter tema dia após dia para escrever uma crónica. Como conseguem os meios de comunicação terem sempre alguma coisa para criticar? Como conseguem os cronistas estarem tão atentos ao quotidiano a fim de escreverem todos os dias sobre assuntos da actualidade?
Pois é, parece que agora este problema me tocou a mim. Não tenho de escrever uma crónica todos os dias (felizmente), mas todas as semanas. Uma dor de cabeça comparável a estar duas horas a ouvir Zé Cabra. Ou talvez não. A crónica tem um segredo. E eu sei qual é. Posso-vos contar mas teria que vos matar. Pronto, eu conto, caso contrário esta crónica não teria sentido. Para escrever uma crónica não é preciso saber mais, ser mais actual ou muito inteligente. Só é preciso estar-se atento. Alguma vez uma crónica vos disse alguma coisa de novo? Pois a mim não. As crónicas falam de assuntos que conhecemos bem, com os quais somos confrontados todos os dias. A única diferença entre um cronista e uma pessoa comum, um não-cronista é a maneira como cada um olha para aquilo que o rodeia. É fazer um olhar sobre o mundo daqueles que se fazem na sala de espera de um centro de saúde. Ou por menos que eu faço. Calma, sobrancelhas arqueadas de dúvida, vou passar a explicar. Não sei se acontece a outras pessoas, mas quando estou na sala de espera de um consultório médico, fico com um espírito crítico e uma ironia muito aguçados. Não sei porque é que o ambiente me proporciona isto, mas imagino que o mesmo deva acontecer em todos os locais com uma grande variedade de pessoas, só que nunca reparei. Isto tudo, por incrível que pareça, tem uma conclusão. Nós identificamo-nos com uma crónica, por nos identificarmos com a realidade que lá está exposta. E isso é possível pela convivência diária que temos todos os dias com milhares de pessoas. Um bom cronista é aquele que não despreza os pormenores engraçados da vida, que aprendemos a desprezar com a experiência, alertando-nos para esses mesmos pormenores (eu sei, muito kafka da minha parte).
Concluindo, os cronistas dos jornais e revistas não são intelectuais que passam a sua vida rodeados de livros de capa dura nas suas grandes bibliotecas de pinho, com um ar séptico, pegando no seu cachimbo e usando camisolas com losangos (eu imagino todos os intelectuais sendo britânicos e estando presos no século XX num ambiente bucólico). Os cronistas são pessoas que tal como nós estão horas no Registo Civil e observam as intrigas entre as funcionárias e as pessoas que estão à espera, são pessoas que tal como nós estão presos no trânsito e estão atentos às tentativas dos “espertinhos” de fugirem ao trânsito, são pessoas que tal como nós vivem no mundo actual, o melhor tema de uma crónica possível por nunca estar esgotado. Relativamente ao media, os cronistas que escrevem para jornais dizem que o futebol português é um vergonha e que os árbitros são comprados, que o governo é uma vergonha e é por causa dele que há crise, que a educação é uma vergonha porque os miúdos já nem a tabuada sabem, enfim um monte infindável de vergonhas das quais falamos todos os dias na paragem do autocarro ou no café. Assim, é só preciso ter a percepção do que se passa mesmo ao nosso lado para se escrever uma crónica. Se não acreditam olhem para mim, não tenho um curso catedrático, mas bom vou-me safando nisto de ser uma “cronista”.

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